Monday, December 3, 2007

O Espírito de Natal

- Bate o sino, pequenino, sino de Belém, já nasceu o Deus menino, para o nosso bem.

Mateus olhava o coral de crianças da Igreja Matriz da cidade com inveja. Todas elas tinham lindas túnicas azuis e sapatos novos, estavam limpinhos e eram observados, com orgulho, por seus pais e mães. Ele não. Seus pés eram protegidos apenas por um par de chinelos roubados há algum tempo da venda do Seu João. Nem se lembrava mais já quanto tempo vestia aquela camisa (que também foi furtada de Seu João, seu “maior cliente”) e os olhares que recebia eram de terror e nojo.

- Ora, suma daqui, seu pivete!
Uma beata o afastou da Igreja com leves pancadas na cabeça. Ele correu, tomando alguma distância, e depois gritou para a mulher:
- Carola, mal amada! Velha, nariz de porco!
A mulher balança a cabeça , reprovando a atitude do menino. Depois se voltou para uma amiga e disse:
- Esses pivetes! Ouviu o que ele disse? Realmente, não sabem o que significa o espírito do Natal.
Mateus não entendia mesmo essa data. Ouviu certa vez no rádio que o Natal era um dia em que deveríamos expressar nosso amor pela família. Mas qual família? Seu pai era um bêbado que há quatro anos deu uma surra tão grande em sua mãe que a derrubou de uma escada e a matou. Ficou tão consternado com aquilo que enlouqueceu e se suicidou três dias depois.
Ele ouviu também que era tempo de perdoar, ser gentil e amável. Até que fazia isso em Dezembro. As pessoas eram menos duras e ele retribuía. Mas com o passar do ano era difícil manter esse sentimento, pois todos voltavam a olhá-lo com olho torto, ódio e desprezo, fossem ou não seus clientes.
Mas mesmo não entendendo o Natal direito, Mateus gostava dele. As ruas ficavam mais bonitas e iluminadas, tinha música que o divertia e sempre ganhava uma bola da prefeitura (“Ta certo que não duravam uma semana, mas presente é presente”).
O que mais o agradava no Natal, no entanto, era a visita de um velho amigo. Todo dia 25 de Dezembro, um andarilho passava pela sua cidade, ia até a ponte onde ele pernoitava e lhe presenteava com um pedaço de pão doce.
- Feliz Natal, meu filho.
Ele o conhecia havia quatro anos, estava nas ruas há pouco tempo na época. Lhe ensinou alguns segredos da “arte de furtar” (que Seu João conhece tão bem), o levou até aquela ponte (onde ele também dormia quando era criança) e lhe deu aquele pão.
- Me escuta, garoto. Num levo ocê comigo porque pra onde eu vô não é bão pra criança. Mas prometo sempre te visitá no Natal se ocê promete que vai ser sempre homem direito, pessoa de bom coração.
O velho sorriu ao ver o rostinho alegre do menino.
- E qual o nome do senhor?
Ele ficou intrigado com a pergunta, já faz anos que ninguém lhe pergunta o nome. Sempre o tratam de “velho” ou “mendigo”. Talvez até tenha se esquecido do nome de batismo. Então, deu uma longa gargalhada e respondeu:
- Papai Noel!


Mateus perambulava com sua bola nova pelas ruas de um bairro pobre da cidade, quando escutou o choro de uma criança.
- Eu quero, mãe... Eu quero um presente do Papai Noel!
A mulher olhava com tristeza para o filho. Mal tinha dinheiro para a comida, quanto mais para presente e, nesse ano, o tumulto na prefeitura foi tão grande que não conseguiu pegar nada.
Mateus se sentiu mal por ver o menino triste. Olhou para a bola que tinha surrupiado de forma homérica (teria uma ótima história para contar para o velho nesse ano) e depois para o garoto chorando. “Ora, eu não gosto de bola mesmo”.
- Ei, garoto!
O menino, soluçando, se virou para ele.
- Se eu te der essa bola, você para de chorar?
O menino assentiu com a cabeça e disse:
- Mas você não é Papai Noel pra dar presente.
- Ora, eu sou amigo dele.
O menino agarrou a bola, disse um obrigado às pressas e correu para o colo da mãe para mostrar o presente. Mateus olhou para o garoto por alguns segundos ainda e depois saiu assoviando rua abaixo.
A mãe levou o filho para dentro e depois comentou o que tinha acontecido.
- Pensei que não existiam mais pessoas que entendessem o que realmente significa o espírito do Natal.

Monday, November 19, 2007

Aqueles olhos azuis

Já aviso de antemão, leitor, esse é mais um daqueles textos enfadonhos, onde o narrador fica se lamentando por estar sozinho, culpando as pobres Moiras por seu desgraçado destino, choramingando, pedindo à lua que leve um recado de amor à sua amada, que ele nem sabe quem é.
Vai embora? Sorte sua. Mas se quiser sentar e saber por que estou querendo escrever essa coisa, tudo bem. Deixo esse conto para depois. Suco, café, cachaça? Pode se servir, a casa é sua.
Por onde começo? Deixe-me ver. Era uma noite que qualquer poeta adoraria “poetizar”. O céu estava estrelado, a lua cheia, imponente, belíssima. Eu estava perambulando pela avenida Beira Rio, o ponto turístico mais importante da minha cidade, Itumbiara, inventando enredos para histórias, que nunca conseguirei escrever.
Vi que já estava tarde e resolvi ir para casa. Tenho o costume de andar olhando para baixo e só de vez em quando levanto a cabeça para verificar se não há nada no meu caminho, por isso, muitas vezes tenho a impressão que as pessoas aparecem por encanto na minha frente. E foi assim que ela apareceu diante dos meus olhos, por encanto.
Ela era linda. Alta, cabelos longos e escuros, uma pele branquinha e aqueles olhos... Com certeza, o que mais me cativou foram aqueles olhos azuis, que pareciam observar o infinito. Ela segurava firme um cão, que a guiava entre aquelas pessoas. Suponho que seja cega. Fiquei inerte, totalmente embevecido por aquela beleza radiante. Ela passou por mim, impassível, e se foi...
É! Se foi! E eu fiquei lá, feito um idiota olhando para o nada. Quando me toquei, ela já tinha desaparecido. Meeeeeeerda. Eu a procurei em todos os lugares, mas nada. Eu deveria ter feito alguma coisa, falado alguma coisa. Agora, ela nem sabe que eu existo. Merda. Merda. Merda. Eu sou um grande idiota.
Não posso nem maldizer o destino, a má-sorte, o raio que o parta!!! A culpa foi toda minha. Droga. Já to chato, né? Também, acabamos com a garrafa de cachaça. Ah, você não bebe cachaça? Então, eu acabei com a garrafa de cachaça. Porque eu não me jogo no rio e acabo com esse tormento? Olha, isso não é idéia que se dê a um pseudo poeta bêbado. Eu quero viver , leitor. Quero ver de novo aqueles olhos azuis.

Saturday, November 3, 2007

A guerra entre os homens e os deuses

Há muitos séculos atrás, os deuses gregos se declararam senhores da terra, do céu, das águas e até das almas de todos os seres. Construíram para si um palácio no monte Olimpo e de lá reinavam sobre tudo e todos.
Pela boca de seus sacerdotes, diziam que todas as suas obras e eram perfeitas e que deveriam ser amados e respeitados por todos. Entretanto, apesar das belas palavras dos sacerdotes, eles não eram tão bons assim. Nunca ouviam as preces de seus fiéis; Exigiam, como sacrifício, a maior parte da colheita das vilas que “protegiam”, as ovelhas mais gordas e as virgens mais belas. Cidades inteiras eram devastadas pelo menor “pecado” ou mesmo para seu simples deleite.
No entanto, à medida que o poder deles aumentava, o povo notava que nada ganhavam com “a proteção divina”. Alguns, desaforados infiéis, ousavam gritar em praça pública que os Olímpicos eram desnecessários e que nem mais um grão de trigo deveria ser entregue a eles.
Zeus, rei de todos os deuses, estava cada vez mais preocupado. Hera já reclamava que não mais recebia suas adoradas ovelhas em sacrifício. Hermes anunciara que os homens deixaram de ofertar a eles virgens, que tanto agradavam o senhor dos raios e trovões.
Chamou, então, Ártemis, a temível caçadora, e a enviou para a Terra. Infalível, a deusa da lua enviou centenas para o reino de Hades. Isso fez os homens se calarem por um tempo. Mas o sonho era maior que o medo e a revolta voltou. As flechas da deusa também, mas para cada rebelde morto, dois novos surgiam.
Entre os mortais, várias histórias de vitória eram ouvidas. Contavam que em uma terra fria e distante, os seres humanos tinham se libertado da opressão dos deuses comandados por Odin e viviam felizes. Uma pequena vila no Norte da Ática que resistia corajosamente à fúria dos raios de Zeus era símbolo da luta por liberdade.
Atena e Eros, surpreendentemente, abandonaram o Olimpo e juntaram-se à humanidade em sua guerra. A deusa da sabedoria se indignou com a impiedade de Ares e Poseindon, que aniquilavam cidades inteiras, e decidiu usar seu conhecimento para esclarecer os mortais que ainda acreditavam nos deuses de que eram explorados. O deus do amor respeitava os homens, pois muitos deles, diferente dos moradores do Monte Olimpo, amavam de verdade, sem esperar dinheiro ou favores em troca. Por isso, construiu uma casa em Tebas e vivia a contar histórias de amor e liberdade.
A peleja entre deuses e homens se tornava cada vez mais acirrada. Organizados, os homens tomavam o poder em várias cidades. Os deuses respondiam com raios, furacões e terremotos.
Uma ninfa, meio deusa, meio humana, tentava entender o que acontecia e ora apoiava os deuses, ora os homens. Perguntou à Gaia, deusa-mãe Terra, de qual lado deveria ficar. Esta respondeu que eram os deuses os merecedores de seu apoio, pois tudo o que existia era criação deles
A resposta satisfez a jovem ninfa até que encontrou um ancião que questionou sua posição. Ela, orgulhosa, repetiu as palavras de Gaia. Ele balançou a cabeça negativamente e replicou.
- Realmente, foram os deuses que criaram a Terra, a água e o ar. Mas são os homens que transformam tudo isso em riqueza, alimento e progresso. Somos nós que aramos a terra, cuidamos dos animais, construímos cidades maravilhosas e potentes navios. Nós construímos o mundo todos os dias.

Tuesday, September 4, 2007

Uma garrafa de vinho e o pôr do sol

O poeta, que mais uma vez se vê sem palavras, se senta à sombra de uma árvore. Traz consigo uma garrafa de vinho do porto e duas taças e uma grande toalha. Ele cobre a grama com a toalha e com cuidado coloca o vinho e as taças no chão. Ele sente a brisa refrescante brincar com seu rosto, contempla o céu azul e dá um grito de alegria.
- O dia perfeito!
Sim, realmente era o dia perfeito. Mas a perfeição não vinha do brilho sol, do canto dos pássaros ou da esplendida visão do lago em sua frente. Tudo isso só se tornava perceptível por que era hoje o dia em que sua poesia não mais cantaria desilusões, sofrimento ou dor. De hoje em diante não tomaria vinho com amargura, pois acabaram os dias de solidão.
O impaciente poeta esfrega as mãos, olha para um lado, olha para outro. Nada. Mas ainda está cedo. Tenta criar um pequeno poema, mas a emoção é grande demais e lhe rouba todas as palavras.
-Grande poeta! Não consegue nem ao menos formular uns poucos versos.
Mais nervoso ainda, ele deita na grama e fecha os olhos.
- Se ao menos eu conseguisse dizer que agradeço a todas as forças do universo, em especial às moiras por terem a colocado no meu caminho e às musas por terem criado a poesia para que eu a pudesse cantá-la. Humpf. Se eu fosse Vinícius poderia dizer que de tudo ao meu amor serei atento. Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto que mesmo em face do maior encanto. Dele se encante mais meu pensamento” e poderia dizer ainda que meu afeto que deixo “não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas, nem as misteriosas palavras dos véus da alma.” Mas que Vinícius que nada, eu sou só um pobre coitado que não sabe como agradar a mulher amada.
O barulho de uma garrafa de vinho sendo aberta faz com que o poeta se levante de sobressalto. A surpresa por ver sua musa encher uma taça de vinho é indescritível. Por um segundo achou que seus olhos brincavam com seus sentimentos e que a sorridente jovem dos olhos castanhos, cabelos negros não estava ali.
- Eu... é...
- Shiiiii.
Ela entrega uma taça para ele e vai para o seu lado, o envolve com o braço direito e apóia sua cabeça no ombro dele.
- Muitas vezes, a poesia não precisa de palavras, tudo o que é preciso são verdadeiros sentimentos.
Ele sorri para a poetisa e inclina a cabeça, para carinhosamente tocar os cabelos dela. E escrevem sem palavras uma poesia, bebendo vinho e assistindo o pôr do sol.

Sunday, September 2, 2007

e na curva do meio-fio...

(...)Não, não havia chovido naquela tarde como em todas as outras da semana. Nem mesmo estava com aquela friagem típica da estação. Ao contrário, o sol brilhava como se fosse pleno verão. As ruas, todo o chão estava seco com alguma poeira que o vento fazia dançar em ritmo devagar... Os dois garotos ali, no meio da rua, com a bicicleta nova. O bairro era tranqüilo, nada havia de incomum encontrar crianças brincando nas ruas como se não existissem carros. Porém esses dois irmãos, um garoto e uma garota um pouco menor, chamavam a atenção dos vizinhos por nunca conversarem com ninguém nem brincarem junto às outras crianças. Mesmo entre eles, poucas palavras se podiam escutar. Apenas ficara nítido que era a primeira vez que aquela garotinha montava em uma bicicleta e estava já bastante suja e arranhada, com uma expressão de dor, cansaço e não parecia estar se divertindo.

O irmão, entretanto, sabia andar há bastante tempo e ficava apenas olhando e dizendo para ela não cair, não se fazer de lesma e andar mais rápido. Então, na curva duma pequena descida no meio-fio da garagem ao lado, a bicicleta passou em cima duma pedra perdendo o equilíbrio e provocando uma feia queda de lado com a pequena. Esta, então sangrando e toda esfolada com metade do corpo por baixo do pedal, chorou como um bebê e seu sangue foi-lhe subindo ao rosto, começou a engasgar, perdeu o fôlego, soluçando sem parar. Nem assim seu irmão a acudiu; ficou parado assistindo à cena e sorrindo como se até estivesse tirando algo de prazeroso do que via. Podia-se dizer que ele estava quase dando gargalhadas de ver sua irmã sangrando sem conseguir sair da bicicleta. Enfim, um casal que saía da padaria viu e ajudou a garota a se pôr de pé e com controle novamente. Ela nada disse, nem agradeceu nem olhou pra cara deles. Apenas saiu empurrando a bicicleta e pegou o caminho de volta para casa, assustada, soluçando e tentando esconder a cara de choro. O garoto foi logo em seguida, sorridente, chutando pedrinhas e cantarolando como se nada tivesse a ver com ele, parecia até estar num mundo distante do dela e do resto das pessoas também...(...)

Friday, August 31, 2007

O poder do sorriso autêntico


Ser feliz não é ter tudo que se quer
Não é ser tudo o que se desejaria ser
Não é fazer tudo que gostaria de poder fazer

Ser feliz é aceitar as piores situações
Armado com o que há de mais eficaz contra negatividades de outrem,
sentindo sair de dentro de si, espontaneamente
e sinseramente a arma mor do sorriso verdadeiro,
não forçado.

Aquele que te lembra as crianças brincando na lama suja e feia,
mas com essa arma estampada no rosto e transmitindo a paz em seu coração.

Essa arma que desarma qualquer pensamento negativo que poderiam lhe endereçar.
Essa arma também é o próprio escudo construído com a força da mente e do coração,
servindo como divino instrumento, presente nas criancinhas, independente das circunstâncias;
e repassando a pureza e inocência alegre com seus belos e banguelos sorrisos,
ainda que no meio da lama e do lodo.

Assim como aprendi com um monge:
- o diamante que ficou perdido por um tempo na lama não deixou de ser diamante por isso...



Monday, July 23, 2007

Insônia


ironia ou sarcasmo? vc decide, pois perdi o sono =]


Profundo desvio da vontade

Inundando a mente com pontadas

Lampejo de rivalidade

Atacando com inconscientes facadas

Intrusos instigadores de mal-estar

Impedindo um ledo descanso jubiloso

Fatores que não prezo em meu lar

Núcleo de fadiga que ataca impiedoso

Se ao menos pudesse desse mal livrar

Mas triste verdade o entremeia

Eis que é de meu ser uma parte

E corre, insolente, em cada veia


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