Tuesday, September 4, 2007

Uma garrafa de vinho e o pôr do sol

O poeta, que mais uma vez se vê sem palavras, se senta à sombra de uma árvore. Traz consigo uma garrafa de vinho do porto e duas taças e uma grande toalha. Ele cobre a grama com a toalha e com cuidado coloca o vinho e as taças no chão. Ele sente a brisa refrescante brincar com seu rosto, contempla o céu azul e dá um grito de alegria.
- O dia perfeito!
Sim, realmente era o dia perfeito. Mas a perfeição não vinha do brilho sol, do canto dos pássaros ou da esplendida visão do lago em sua frente. Tudo isso só se tornava perceptível por que era hoje o dia em que sua poesia não mais cantaria desilusões, sofrimento ou dor. De hoje em diante não tomaria vinho com amargura, pois acabaram os dias de solidão.
O impaciente poeta esfrega as mãos, olha para um lado, olha para outro. Nada. Mas ainda está cedo. Tenta criar um pequeno poema, mas a emoção é grande demais e lhe rouba todas as palavras.
-Grande poeta! Não consegue nem ao menos formular uns poucos versos.
Mais nervoso ainda, ele deita na grama e fecha os olhos.
- Se ao menos eu conseguisse dizer que agradeço a todas as forças do universo, em especial às moiras por terem a colocado no meu caminho e às musas por terem criado a poesia para que eu a pudesse cantá-la. Humpf. Se eu fosse Vinícius poderia dizer que de tudo ao meu amor serei atento. Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto que mesmo em face do maior encanto. Dele se encante mais meu pensamento” e poderia dizer ainda que meu afeto que deixo “não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas, nem as misteriosas palavras dos véus da alma.” Mas que Vinícius que nada, eu sou só um pobre coitado que não sabe como agradar a mulher amada.
O barulho de uma garrafa de vinho sendo aberta faz com que o poeta se levante de sobressalto. A surpresa por ver sua musa encher uma taça de vinho é indescritível. Por um segundo achou que seus olhos brincavam com seus sentimentos e que a sorridente jovem dos olhos castanhos, cabelos negros não estava ali.
- Eu... é...
- Shiiiii.
Ela entrega uma taça para ele e vai para o seu lado, o envolve com o braço direito e apóia sua cabeça no ombro dele.
- Muitas vezes, a poesia não precisa de palavras, tudo o que é preciso são verdadeiros sentimentos.
Ele sorri para a poetisa e inclina a cabeça, para carinhosamente tocar os cabelos dela. E escrevem sem palavras uma poesia, bebendo vinho e assistindo o pôr do sol.

Sunday, September 2, 2007

e na curva do meio-fio...

(...)Não, não havia chovido naquela tarde como em todas as outras da semana. Nem mesmo estava com aquela friagem típica da estação. Ao contrário, o sol brilhava como se fosse pleno verão. As ruas, todo o chão estava seco com alguma poeira que o vento fazia dançar em ritmo devagar... Os dois garotos ali, no meio da rua, com a bicicleta nova. O bairro era tranqüilo, nada havia de incomum encontrar crianças brincando nas ruas como se não existissem carros. Porém esses dois irmãos, um garoto e uma garota um pouco menor, chamavam a atenção dos vizinhos por nunca conversarem com ninguém nem brincarem junto às outras crianças. Mesmo entre eles, poucas palavras se podiam escutar. Apenas ficara nítido que era a primeira vez que aquela garotinha montava em uma bicicleta e estava já bastante suja e arranhada, com uma expressão de dor, cansaço e não parecia estar se divertindo.

O irmão, entretanto, sabia andar há bastante tempo e ficava apenas olhando e dizendo para ela não cair, não se fazer de lesma e andar mais rápido. Então, na curva duma pequena descida no meio-fio da garagem ao lado, a bicicleta passou em cima duma pedra perdendo o equilíbrio e provocando uma feia queda de lado com a pequena. Esta, então sangrando e toda esfolada com metade do corpo por baixo do pedal, chorou como um bebê e seu sangue foi-lhe subindo ao rosto, começou a engasgar, perdeu o fôlego, soluçando sem parar. Nem assim seu irmão a acudiu; ficou parado assistindo à cena e sorrindo como se até estivesse tirando algo de prazeroso do que via. Podia-se dizer que ele estava quase dando gargalhadas de ver sua irmã sangrando sem conseguir sair da bicicleta. Enfim, um casal que saía da padaria viu e ajudou a garota a se pôr de pé e com controle novamente. Ela nada disse, nem agradeceu nem olhou pra cara deles. Apenas saiu empurrando a bicicleta e pegou o caminho de volta para casa, assustada, soluçando e tentando esconder a cara de choro. O garoto foi logo em seguida, sorridente, chutando pedrinhas e cantarolando como se nada tivesse a ver com ele, parecia até estar num mundo distante do dela e do resto das pessoas também...(...)